Usinas de armazenamento bombeado como alternativa para contribuir com a segurança operativa do sistema elétrico brasileiro
- H2Way
- 9 de abr. de 2024
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Além do aspecto atinente à outorga, devem ser estruturados mecanismos concretos que permitam a viabilidade econômica das UAB de forma competitiva e eficiente.
Nos últimos anos, o Setor Elétrico Brasileiro presenciou um verdadeiro boom de implantação de novos empreendimentos de geração de energia elétrica a partir de fontes renováveis variáveis, em especial, solar fotovoltaica e eólica. Não obstante os inúmeros fatores positivos dessa forte expansão, não se pode negligenciar seus impactos na estabilidade e segurança operativa do sistema elétrico. Um dos caminhos para evitar que a variabilidade dessas fontes de energia comprometa a segurança operativa do sistema é a utilização de fontes que proporcionem controlabilidade e flexibilidade operativa, o que pode se dar tanto pela implantação de usinas “despacháveis” — como as usinas termelétricas e hidrelétricas —, quanto pela adoção de medidas de gestão da carga/demanda e/ou pela utilização de sistemas de armazenamento de energia elétrica.
Diferentes estudos apontam que a implantação de novas hidrelétricas com grandes reservatórios encontra restrições geográficas/ambientais, posto que as principais bacias hidrográficas a serem exploradas se encontram na Região Amazônica. A implantação de novas termelétricas a gás natural, por sua vez, apesar do grande potencial nacional de produção desse importante energético, encontra limitações diante da preocupação global em reduzir as emissões de carbono.
Vitor Sarmento de Mello, sócio no Rolim Goulart Cardoso Advogados
Nesse contexto, a adoção de sistemas de armazenamento de energia se apresenta como uma excelente alternativa que fornece os atributos que o sistema elétrico necessita para se adaptar à nova composição da matriz elétrica, especialmente aqueles que utilizam tecnologia madura e amplamente adotada com sucesso em outros países, tal como as Usinas de Armazenamento Bombeado (UAB).
Com efeito, ao menos desde 2016, importantes players do setor elétrico passaram a conceber e estudar soluções metodológicas para a implementação eficiente e econômica das denominadas Usinas de Armazenamento Bombeado (UAB). Embora possam ser consideradas como uma espécie da categoria das Usinas Hidrelétricas Reversíveis (UHR), as UAB dispõem de especificidades e peculiaridades próprias, razão pela qual a distinção se faz relevante. As UHR e as UAB, de maneira semelhante às usinas hidrelétricas “tradicionais”— a saber, as Usinas Hidrelétricas (UHE) e as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) —, utilizam do armazenamento de energia gravitacional da água, por meio da diferença de elevação, para a geração de energia elétrica.
Todavia, ao contrário das hidrelétricas “tradicionais”, as UHR e as UAB apresentam mecanismos de bombeamento da água de um reservatório inferior para um reservatório superior — com o uso de energia proveniente de outra fonte geradora — a fim de ser reutilizada na geração elétrica em momentos de pico de demanda. De forma específica, as UAB, diferentemente das UHR convencionais, podem realizar a regularização de seus reservatórios de forma diária. Isso significa que esses empreendimentos são projetados para terem a capacidade de operar vis-à-vis o consumo elétrico do sistema, de modo a gerar energia nos horários de pico no consumo e bombear nos horários em que o consumo é inferior, utilizando, para tanto, eventuais excedentes de geração.
Bernardo G. Ferreira da Silva, advogado no Rolim Goulart Cardoso Advogados
Nesse viés, tem-se que as UAB prestam um serviço de armazenamento de energia, dado que podem absorver excesso momentâneo de geração variável disponível (proveniente das usinas fotovoltaicas e/ou eólicas, por exemplo) ou mesmo incrementar a absorção de energia proveniente de usinas hidrelétricas e termelétricas do Sistema Interligado Nacional (SIN), sendo uma importante ferramenta de flexibilidade operacional tanto pela geração, quanto pelo uso e armazenamento da energia.
Esses empreendimentos ainda se destacam de UHR convencionais pelo fato de que podem operar tanto em circuito fechado, utilizando-se da mesma reserva d’água, como em circuito semiaberto, sendo implantado junto aos reservatórios das UHEs e PCHs. Sem prejuízo, as UAB apresentam a possibilidade de estocar potência através do bombeamento de água entre reservatórios de pequeno porte, existentes ou construídos quando da implantação da usina, não sendo necessária a proximidade a leitos de rios para seu funcionamento.
Esse mecanismo diminui amplamente o uso de recursos hídricos e o impacto ambiental provocado pelas UHR convencionais e usinas termelétricas de mesma capacidade; além disso, as UAB podem estar próximas aos centros de carga, ganhando em eficiência pela postergação de investimentos em redes de transmissão e pela redução das perdas associadas ao transporte de energia por longas distâncias. Seu atributo principal consiste em viabilizar a prestação de serviços sistêmicos, energéticos, de potência, de capacidade, além de serviços ancilares. Isso por que o serviço prestado, na essência, é o armazenamento de potência e flexibilidade operativa, sendo a geração de energia apenas marginal e associada aos demais produtos entregues.
Logo, tendo em vista as particularidades técnicas e de infraestrutura das UABs, é importante que as exigências regulatórias aplicáveis a essas usinas sejam elaboradas na medida de suas diferenças em relação a outros tipos de empreendimentos.
Carolina Figueiredo Germano, advogada no Rolim Goulart Cardoso Advogados
A título exemplificativo, aproveitamentos hidrelétricos pertencem à União e qualquer empreendimento com potência superior a 50 MW são explorados por meio da outorga de concessão, mediante realização da devida licitação. Contudo, as UAB, por operarem em ciclo fechado ou semifechado e poderem ser viabilizadas a partir de reservatórios de pequeno porte, sem uso consuntivo da água, não devem ser submetidas ao mesmo regime regulatório aplicável às usinas hidrelétricas de grande porte.
Dessa forma, não há destinação de recursos naturais para utilidade pública que condicionem a atuação das UAB à outorga de concessão. Ao contrário de outras usinas hidrelétricas, o uso do bem público pelas UAB é “insignificante” ou “não sujeito à outorga” conforme a Resolução ANA n1.940/2017, eis que, após o enchimento inicial dos reservatórios dessas usinas, o uso da água ocorrerá, sobretudo, para reposição em face à evaporação e infiltração natural, sem afetar o regime de vazões de corpos d’água.
Assim, um dos reservatórios pode ser criado artificialmente fora do circuito natural do rio, de forma que não há trecho de vazão reduzida, pois a calha do rio não é afetada. Além disso, a relação entre a área alagada dos reservatórios das UAB e sua potência instalada é dezenas de vezes inferior ao reservatório da UHE convencional que possua a mesma capacidade instalada.
Portanto, as UAB, por sua própria natureza, não devem ser objeto de outorga de concessão da União, mas de autorização, assim como as demais fontes hídricas (Resolução Normativa ANEEL (REN) nº 875/2020) e de fontes alternativas (REN nº 1.071/2023), pois, embora possuam como característica principal o armazenamento de energia, ainda concorrem à atividade de geração, e, portanto, devem estar abarcadas dentre as geradoras. Nesse aspecto, é louvável a posição adotada pela ANEEL na instauração da Consulta Pública (CP) nº 39/2023, que indica a intenção do regulador de que a outorga das UABs, denominada nos documentos da Agência como “usinas reversíveis em ciclo fechado”, se dê por meio da emissão de Resolução Autorizativa, sem prévia licitação. Além do aspecto atinente à outorga, devem ser estruturados mecanismos concretos que permitam a viabilidade econômica das UAB de forma competitiva e eficiente. Para tanto, deve haver adequações regulatórias que possibilitem a esses empreendimentos auferir receitas por meio da oferta de serviços de capacidade (ou lastro) e serviços ancilares (controle de frequência, suporte de reativos e reserva de potência operativa, dentre outros) ao sistema.
Nessa linha, é de suma importância o aprimoramento das formas de remuneração relacionadas à oferta de serviços ancilares e serviços de confiabilidade ao sistema, o que passa pela criação de novos produtos e revisão dos produtos existentes, a fim de estabelecer uma estrutura de mercado competitivo adequada à oferta desses serviços. Adicionalmente, faz-se necessária a inclusão dos sistemas de armazenamento de energia nos próximos Leilões de Reserva de Capacidade, como já noticiado pelo governo federal.
A inclusão das UAB no arcabouço regulatório, por meio da definição de um regime capaz de prover segurança jurídica e previsibilidade aos investidores, bem como da definição de uma estruturação remuneratória adequada, colocaria o Brasil na mesma página do cenário internacional.
Dessa forma, espera-se que as instituições setoriais permaneçam empreendendo esforços, em interlocução com os agentes e a sociedade, para viabilizar a implantação dos sistemas de armazenamento de energia, tais quais as UAB, na matriz elétrica brasileira de forma a conferir a segurança operativa necessária para fazer frente ao contínuo crescimento das fontes variáveis de geração de energia elétrica.
Vitor Sarmento de Mello, Bernardo G. Ferreira da Silva e Carolina Figueiredo Germano, são respectivamente, sócio e advogados no Rolim Goulart Cardoso Advogados.
Fonte: Canal Energia








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